O Conto do Assaltante

 Eu não sou assassino.

Nem sou criminoso. Escuto uma criança chorando muito alto, ou muito perto de mim e isso me incomoda. O corre-corre é desnecessário. A arma não estava carregada. Eu não sou assassino.

Escuto as sirenes da polícia chegando, não tenho medo, tudo não passa de um mal entendido. O dono da loja está com uma arma apontada pra mim. Ele sim é um assassino. Filho da puta. Olho pra cara do desgraçado e ele está assustado. Sei lá porque me lembrou meu pai.

Eu nunca tive pai. Quero dizer, nunca o conheci, mas acho que devia ser igual esse filho da puta porque largou minha mãe assim que soube que ela estava grávida. Ouvi alguém dizer que ele era casado e minha mãe era a amante, descartável. Acho que ela morreu de desgosto, sempre esperando que ele voltasse. Nunca soube o nome dele, nem o que fazia. Por algum motivo achei que ele era um policial e, mesmo odiando, ele era meu herói. Passei anos sonhando que um dia ele ia entrar pela porta do barraco e levar eu e minha mãe para um lugar melhor.

Quando eu cresci descobri que a polícia quando sobe a favela é mandando bala.

Eu quis ser policial, mas favelado não vira polícia e o mais próximo disso que eu conseguiria seria ir preso por algum crime. Mas não perdi as esperanças. Eu sei que tem policial corrupto, todo mundo sabe, mas tem muita gente honesta também.

­– Larga a arma, mãos pra cima!

O policial que acabou de entrar gritou isso.

– Ali, policial, aquele com a arma é o assassino. – eu diria isso se adiantasse alguma coisa, mas não dá. Nem vou tentar.

Ah, nem precisei falar. O policial algemou e levou o dono da loja. Bem feito. O outro policial entrou atento procurando comparsas do criminoso, mas só havia ele mesmo. Agora está tudo bem. Bom, mais ou menos.

O policial olha pra mim e eu tento ler o nome dele na farda, mas não consigo focar a visão. Acho que vou precisar usar óculos, está tudo embaçado.

– Olá – consegui dizer pra ele, mas acho que acabei assustando o garoto. Puxa vida só agora eu notei com ele era jovem. Saiu correndo da loja, estava passando mal. Não deve ser fácil ser policial. Tem que ter estômago forte.

Fico sozinho na loja. Está frio aqui, acho que devia ter colocado uma blusa. Bem que minha Nega disse pra colocar a blusa. Estava tão linda quando eu saí de casa. Mesmo com aquele barrigão de nove meses sempre dá um jeito em tudo.

– Tudo vai se ajeitar.

Ela sempre falava isso. É claro que nem sempre ajeitava. Na verdade nunca se ajeitavam mesmo. Mas ela dizia... e acreditava. Ah minha Nega eu queria acreditar como você. Acho que eu nunca disse o quanto eu te amo. Nosso filho se for menina vai se chamar Maria, como minha mãe, se for moleque vai ser Fábio. Fábio dos Santos como sempre imaginei que se chamava meu pai. E quando crescer o Fábio vai ser um policial. Quem sabe até virar um capitão?

O policial mais velho voltou. Eu estou ouvindo sirenes de novo, mas não é da polícia. Deve ser a ambulância.

Pra que?

Eu devo estar com uma aparência péssima porque ele fez uma careta horrível quando olhou pra mim.

Acho que eu fiz uma careta quando a Nega me contou que estava grávida porque ela começou a chorar dizendo que ia procurar uma clinica pra tirar o bebê. Eu estava bêbado, mas lembro que bati na cara dela. Ô minha Nega, me perdoa? Mas como ela podia pensar numa loucura daquelas. Agora eu sei que no desespero pensamos absurdos. E se deixar até fazemos absurdos.

O policial está me perguntando alguma coisa, mas não está nervoso como o dono da loja.

– F... Fr... Frio...

Consegui falar para o policial e finalmente entendo o que ele estava me perguntando.

– Que merda você fez aqui?

Eu não fiz nada, foi o dono da loja. Mas não da pra falar tanta coisa.

– F... Fa... Fa... bio.

– Seu nome é Fábio?

Droga, não é isso. Lembrei que não disse pra Nega o nome que eu queria se fosse um menino.

Balanço a cabeça que não e tento falar de novo, mas estou engasgando com minha própria saliva. Não, não é saliva, é sangue. Tento puxar o ar, mas está difícil. Dois enfermeiros entram correndo e colocam uma máscara de oxigênio em mim. Eu empurro e tiro a máscara. O policial me entende. Gente boa.

– Deixem ele. Ele quer falar.

– Meu filho... menino... Fábio.. Fa... bio.

– Seu filho chama Fábio – falou o policial – Está bem

Fala pra Nega que eu fiz besteira. Queria arrumar dinheiro pra tirar a gente daquele inferno. Mas a arma não tava carregada. Eu não sou assassino. O dono da loja sim. Ele é um assassino. Ele me matou, com um tiro de 12 bem na barriga. Acho que é por isso que está tão frio... e tão escuro.

Pages