Mentira


Não acho que tem dia melhor pra falar da mentira do que hoje, 1º de Abril. Considerado o dia da mentira. Tomarei a liberdade de citar um trecho de Os Irmãos Karamazov de Fiódor Dostoievski na excelente tradução de Paulo Bezerra, pela editora 34.


"O principal é não mentir para si mesmo. Quem mente para si mesmo e dá ouvidos à própria mentira chega a um ponto em que não distingue nenhuma verdade, nem em si, nem nos outros e, portanto, passa a desrespeitar a si mesmo e aos demais. Sem respeitar ninguém, deixa de amar e, sem ter amor, para se ocupar e se distrair entrega-se a paixões e a prazeres grosseiros e acaba na total bestialidade em seus vícios, e tudo isso movido pela contínua mentira para os outros e para si mesmo. Aquele que mente para si mesmo é o primeiro que pode se sentir ofendido. Por às vezes é muito agradável ofender-se, não é mesmo? É que ele sabe que ninguém o ofendeu, e que foi ele mesmo que inventou a ofensa e mentiu para enfeitar, ele mesmo exagerou com o fito de criar um quadro, aferrou-se à palavra de um arqueiro fez um cavaleiro –, ele mesmo sabe disso e ainda assim é o primeiro a ofender-se, e ofender-se a ponto de achar isso agradável, de experimentar uma sensação de grande prazer, e assim chega também a uma animosidade verdadeira"...


Há nessa passagem dois pontos que achei fabulosos. O primeiro refere-se a não mentir para si mesmo. Eis aí um grande perigo e não apenas aos devassos como o personagem do livro, mas a todos, pois a mentira para si mesmo frequentemente surge como uma justificativa qualquer que vai evoluindo para algum exagero dos fatos e acaba como dito no trecho: “não distingue nenhuma verdade, nem em si, nem nos outros”.

Por isso considero tão importante que a pessoa assuma seus próprios erros (sendo assim não haverá motivo para justificar-se, nem exagero, nem mentira para si mesmo).

O segundo ponto é sobre o habito de ofender-se e sentir prazer nisso. Esse é um vício dos mais destrutivos, pois aquele que se ofende e passa a acreditar nessas ofensas inventadas, frequentemente se coloca no papel de vítima, querendo despertar nos demais um sentimento de pena, de piedade, e pior, muitas vezes fica paralisado esperando que alguém resolva seus problemas e acabará se tornando infeliz e “acaba na total bestialidade em seus vícios”.

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